sábado, 26 de novembro de 2011

A boa nota dissonante do STF

Por Carlos Alberto dos Santos Dutra (*)

A declaração do presidente da mais alta corte do país, Antonio César Peluso, “O Supremo Tribunal Federal (STF) não é uma orquestra em que todos tocam em harmonia”, revela o que muitos brasileiros há muito temiam. Isso, porque a declaração dada em 9 de novembro de 2011 encerra um cadinho da natureza e origem nos homens que formam aquela instância máxima de decisão. Todos nasceram no chão da família brasileira. Embora eles se encontrem hoje no topo da pirâmide da Justiça do país, ontem eles ainda corriam pelas ruas do interior de Bragança Paulista-SP, Própria-SE, Tatuí-SP, Diamantino-MT, Paracatu-MG, Montes Claros-MG, Marília-SP, só para citar as cidades de origem de alguns ministros do STF.

O julgamento envolvendo a aplicação da Lei da Ficha Limpa, sem dúvida, não poderia ser o melhor mote. Segundo o presidente Antonio Peluso, “o colegiado não é uma orquestra em que todos tenham que tocar em harmonia (...). Pode ser que para a platéia determinados sons sejam dissonantes”. E devem ser mesmo. Segundo o portal JusBrasil/Valor Econômico, essa foi a terceira vez que o STF não conseguiu decidir a questão. A primeira foi em setembro de 2010, quando o julgamento envolveu Joaquim Roriz (PSC), então candidato ao governo do Distrito Federal. A segunda ocorreu em outubro do ano passado num recurso de Jáder Barbalho (PMDB), candidato ao Senado pelo Pará. E, agora, houve novo empate num outro recurso de Jáder. Em todas essas ocasiões, o placar foi de cinco votos a favor da aplicação da lei e de cinco contrários.

Por trás dos bastidores o que se observa -- no caso do recurso de Jáder Barbalho -- é que o assunto ficará a cargo da nova ministra do STF, Rosa Maria Weber Candiota, gaúcha indicada para o cargo pela presidente Dilma Rousseff, mas ainda não foi aprovada pelo Senado. Os demais casos, segundo o ministro Março Aurélio Mello, o impasse se deve à demora na indicação de ministros para o STF. Como é o caso do atraso no preenchimento da 11ª cadeira desse plenário, antes mesmo de a sessão terminar e o novo empate se confirmar, disse.

É bom lembrar que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou o STF por seis meses sem o 11º ministro, adverte o ministro Mello. A indicação de Luiz Fux foi feita pela presidente Dilma, em janeiro. Mas, Dilma demorou três meses para indicar a substituta de Ellen Gracie, que se aposentou em agosto. A indicação de Rosa Maria só foi feita no começa dessa semana. Às 16h45, os ministros começaram a julgar uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pede que a Lei da Ficha Limpa seja aplicada para as eleições de 2012. O relator indicado para o processo foi o ministro Luiz Fux.

Na caso Lei Ficha Limpa, não é de hoje o imbróglio. No mês de março, o povo brasileiro já havia se indignado diante do voto do ministro do STF, Luiz Fux. Ele era a grande a esperança do povo ver definitivamente aprovada a Lei da Ficha Limpa. Após o seu voto, o que se seguiu foi uma grande decepção. E não adiantou o ministro ir para os jornais, com o dinheiro do povo, dizer que não aceitava ser responsabilizado pelo voto que anulou a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 (FSP, 29/03). Á época escrevi que não adiantava o ministro usar de poesia para dizer que debaixo da toga de juiz também bate um coração. “Política” escreveu sabiamente Goethe, “nunca pode provocar poesia”!

Perdida àquela batalha, hoje, retorna à arena a Lei da Ficha Limpa para decidir se ela valerá para 2012. Oxalá os ministros togados não repitam a sentença anterior que devolveu cargos à criminosos condenados em primeira instância com uma simples canetada. Bem escreveu o Prof. Laércio Jurandir Bruni que “ignorância que não é exclusividade de analfabetos”. Temos aqui a mais alta casta de doutores, conhecedores das leis e aplicadores esmerados da norma, porém pouco conhecedores do peso, da procedência e do fundamento dessas leis, porque desvinculadas da ética e dos princípios e valores das sociedades civilizadas.

Depois de ter classificado a Lei da Ficha Limpa como "um dos mais belos espetáculos democráticos (...) e instrumento de purificação do mundo político", o ministro Fux estreou no STF contrariando a expectativa que ele próprio nos fez criar dele. No primeiro julgamento da Lei da Ficha Limpa ele apegou-se ao artigo 16 da Constituição e desprezou o artigo 14, que prega a moralidade na vida pública, preferindo, aético, beneficiar a banda suja da política que nos governa. Não é de temer o voto de um homem deste?

Não é de hoje que a política anda tão desacreditada. Desde a pequenina câmara de vereadores da menor cidade do Brasil, que é Borá-SP, com 805 habitantes (IBGE, 2010) até o mais alto fórum legislativo e judiciário do Brasil, todos estão suscetíveis aquilo que 1.400 anos antes de Cristo Lao-Tséu já havia observado: "Quanto mais requintada é a legislação e a censura, maior número de assaltantes aparece". O que para o historiador Tácido que viveu por volta do ano 100 dC poderia ser sintetizado da seguinte forma: "O mais corrupto dos estados é precisamente aquele que tem o maior número de leis e o maior volume de poderes". À nova ministra caberá a tarefa de demonstrar o contrário.

(*) é mestre em História e pesquisador da UFMS.