terça-feira, 1 de março de 2011

A profissão de leiteiro morreu. Viva o leiteiro!

Carlos Alberto dos Santos Dutra (*)

Dias atrás, um conhecido e popular morador de nossa cidade que vende leite de forma artesanal foi autuado pela fiscalização sanitária e teve o produto apreendido. O ocorrido não deixa de ser novidade na maioria das cidades do Estado de Mato Grosso do Sul, acostumada aos laços frouxos da lei e do compadrio.

Esse tipo de ação, sobretudo nos pequenos municípios, em boa hora os coloca nos trilhos do desenvolvimento e do chamado progresso. Por um lado, representa uma tomada consciência dos órgãos públicos em fazer cumprir uma lei que existe há mais de 40 anos e que nunca foi colocada em prática por estas paragens, o que desacostumou o povo de seus direitos e deveres.

Por outro lado, essa realidade não deixa de ser um desafio para as administrações municipais em razão do desconforto político que tal medida representa para uma boa parcela dos que se valem e se beneficiam dessa prática. Aliás, já está arraigada na cultura do povo, desde o tempo de nossas avós, a entrega de leite de casa em casa.

Mas quem liga para a cultura e a tradição dos antigos? Afinal, nossa técnica universitária, capitalista e transgênica, para não falar da ignorância legislativa a serviço dos grandes monopólios que tomam leite de caixinha, acredita pia e cientificamente que está bem alimenta e prevenida de doenças.

Esquecem os legisladores (que aprovam leis para o judiciário dizer que se cumpra) que seus pais, e também um punhado de políticos empedernidos no poder, cresceram taludinhos tomando o leite, hoje chamado de clandestino, vindo de sítios e chácaras, trazidos nas simpáticas e saudosas carroças de nossa infância, cujo cavalo que a puxava conhecia melhor a localização das casas do que nós.

Ah! Como o tempo voa e lá se vão as lembranças de uma época onde tudo parecia mais limpo, mais belo e com menos perfídia. A assepsia dos tarros de latão, as embalagens de vidro, a leiteira de alumínio no portão. Hoje, ao que parece, tudo foi substituído pelas tais garrafas pet, polímero termoplástico que servem para os refrigerantes que matam, mas não serve para o leite que salva.

Em muitas cidades, dezenas de proprietários rurais vendem leite in natura no perímetro urbano de suas comunidades. A maioria deles tira o sustento de suas famílias a partir desta atividade, prática, aliás, que aprenderam com seus pais e avós. Hoje, seus filhos estão a lhe dizer que eles estão ultrapassados e a profissão está com os dias contados. Enquanto as sociedades mais desenvolvidas fazem o caminho inverso e redescobrem que os produtos naturais, não industrializados, são fontes de saúde, nossas pequenas comarcas ainda se encontram presas ao fascínio tardio da máquina.

A contribuição que os técnicos do IAGRO e das VISAs municipais estão dando ao fazer cumprir à risca as determinações vindas do Ministério Público, procedendo a apreensão do leite vendido irregularmente, entretanto, não resolve o problema, apenas reprime a venda e minimiza a prática. A gravidade do problema e o bom senso requerem mais que isso. Exige ações de inteligência, com planejamento e investimentos, sob pena de se estar acobertando a responsabilidade que é das administrações municipais de encontrar uma solução para o problema social e econômico que a proibição da venda do leite in natura acarreta para esse segmento via de regra excluído e economicamente explorado.

Há quem acredite que os municípios têm condições de enfrentar o problema de forma menos draconiana. A receita prescinde de instrumentos mínimos: a) um cadastramento dos pequenos proprietários que produzem e vendem leite in natura em pequena escala; b) um estudo de viabilidade e de custos para saber as vantagens de entregar ou não o leite in natura ao resfriador do laticínio ou colocá-lo à venda no varejo; c) um acompanhamento profissional de assistente social, extensionista rural e assessoria jurídica, a fim de, conforme o caso, fomentar a criação de uma cooperativa ou associação de produtores de leite; d) e previsão orçamentária de investimento público na aquisição de empacotadora de leite, de custo ínfimo, que poderá facilmente garantir a qualidade do leite distribuído sem afrontar a legislação.

O dorso da mão calejada passa sobre o rosto suado e cheio de rugas do velho retireiro que já não existe mais. E, eis, que de súbito, em meio as reminiscência do passado, vem-lhe à lembra as palavra do pai: --Vai, vai logo piá, vai apartá os bezerros que está na hora da ordenha..., sonha.


(*) é médico veterinário e advogado. E-mail: dutracarlito@uol.com.br

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