domingo, 19 de setembro de 2010

O Senador Delcídio e os Ofaié


Carlos Alberto dos Santos Dutra

É muito bom receber um amigo.
Disse isso na sua última visita a Brasilândia,terra dos Ofaié.

Hoje, porém, dia 19 de setembro de 2010, a caravana do Senador Delcídio do Amaral passa com maior entusiasmo.
É recepcionado e saudado com fogos e carreatas.
Acenos de mãos e aplausos unem PT e PMDB no discurso local.

Ah, como seria bom se a harmonia e a paz reinasse entre os homens.

Ah, como seria bom se a política e sua prática cobrisse a todos com os benefícios prometidos em campanha.

Desde o mais alto posto do poder instituído até o mais humilde torrão de
existência, há olhos de esperança voltados para esse homem de cabelos brancos e retas intenções.

Ah, como seria bom que suas palavras fossem capaz de vencer o medo e a
hipocrisia que por vezes o cercam.

Ah, como seria bom que o Senador fosse capaz de romper com o fisiologismo da urbe e avançasse pela poeira dos campos, onde sobrevivem acampados, aldeados, os esquecidos de toda sorte. Porque sei que ele é capaz.

Falo da margem, dos que se encontram distantes dos palanques.
Falo dos Ofaié que neste mesmo dia de alegria pela chegada de Delcídio, esse povo celebra a tristeza de vivenciar mais uma tragédia de morte.

Ah, Senador nos perdoe mas são tantas as injustiças, que essa, é apenas mais uma. Só que essa dor é tão recente e ainda cala fundo.

Primeiro foi meu primogênito, Sebastião, jogado de um hospital para outro,
até morrer de meningite em São José do Rio Preto, minha primeira perda.

Depois foi meu marido, Eduardinho, hábil artesão, que fazia flechas lindas e
as vendia a troco de uns poucos cruzados, desassistido em hospital, morreu
de câncer, para tristeza de minha alma.

Depois, foi de novo, aquela doença cruel que devorou minha carne e minhas
esperanças, debilitando-me ao extremo, porém sobrevivi, e hoje vivo abaixo
de remédios contando os meus dias, vendo a aldeia desaparecer.

Agora o meu filho João que, para defender-me da ação de invasores patrícios
Guarani, chegou ao extremo do que a injuria suporta e deu cabo do agressor.

Ah, Senador, como dói saber que ele logo em seguida correu à cidade para se
entregar.

Ah, Senador, como gostaria Alfredo, nosso sábio ancião, de contar-lhe nossa
história, se vivo fosse.

Ah, Senador, como sua doce esposa iria sofrer ao ouvir as histórias de Eugênia e Francisca, Dirce e Maria, entre tantas mães que perderam seus filhos e que também já partiram.

Ah, Senador, como gostaria essa mãe, Cida, que o senhor pudesse zelar e
proteger o seu filho, nesta hora tão difícil, preso numa delegacia por
defender a vida desta anciã, nos poucos dias que lhe restam.

Depois de tudo que me foi tirado, nossa aldeia abandonada pela Funai, nas mãos de saqueadores e péssimas lideranças, minha esperança, deposito-a em suas mãos.

Meu título de eleitor? Desculpe, Senador. Ele está tão desbotado devido a fumaça do barraco e as lágrimas que choro agora, que tenho até vergonha de mostrar...

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