domingo, 5 de junho de 2011

Um grito ecológico no meio da noite

Até quando ficaremos indiferentes?
Prof. Carlos Alberto dos Santos Dutra

Ela pesa uns 200 quilos e ainda está amamentando. Precisa ganhar o terreno alagadiço da margem direita do rio Paraná para chegar em casa. De onde está pode ver as luzes da cidade e os faróis dos carros cruzando rápido a sua frente. A noite está fria e ela tem de atravessar logo a pista, pois o ninho com o filhote, vigiado pelo macho, se encontra na outra margem da Reserva Cisalpina.

Desde que construíram aquela estrada sua vida não teve mais sossego. Com a inauguração da ponte ligando os Estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo, o trânsito virou um inferno. Quando a pista era de chão batido, o número de carros era menor e depois da última balsa, as 10 horas da noite, o varjão virava um paraíso. Podiam passear livres, deitar na areia quentinha e dormir na maior tranquilidade. Dividiam o espaço com todos: sucuris, capivaras, catetos, até o veadinho pantaneiro vinha aquecer-se no meio da bicharada.

Mas a velha anta sapateira tem urgência de chegar em casa. De longe ouve a bulha do esturro da onça e não pretende virar jantar de ninguém. Olha para um lado, olha para outro. E, ao contrário do que dizem os homens, não é “tapada” não. Coloca a pata ungulada no asfalto e o silêncio é total, o que lhe enche de confiança. Afinal, a exceção de duas curvas, desde o Posto Fiscal João André, a BR 158 é uma grande reta e, aparentemente, oferece segurança.

Mas, a velocidade de 60 km por hora, solicitada pelo Instituto Cisalpina, Econg e Apoena ao DNIT, quem diz que as placas indicam isso? Quanto mais ser obedecida essa velocidade pelos motoristas apressados em ganhar distância para seus negócios. Os túneis para passagem sob a pista são escassos e as telas de proteção não existem.

O cenário estava completo. As luzes surgiram, como que do nada, e logo ofuscaram os olhos da fêmea, deixando-a praticamente cega. Uma motocicleta, depois outra, e depois um carro, não se sabe direito, a acolheram em cheio. Com a batida, ela foi arremessada, de volta, para o mato. As vitimas humanas ficaram espalhadas pelo chão enquanto outros motoristas chegavam para socorrê-los. Não muito longe dali, ouvia-se o gemido da tapirus terrestre, ameaçada de extinção, como que, também, pedindo socorro. Quem esteve no local disse que “foi muito triste”.

As vítimas, com ferimentos leves foram levadas ao hospital de Brasilândia. As luzes foram sumindo nos 20 km da Rodovia Luigi Cantone em direção à cidade. Na margem da pista, uma leve marca de freada. A pista agora está vazia. Por entre as folhas, adentrando a mata, um rasto de sangue revela o corpo mamãe-anta nos últimos estertores. Naquela noite pai e filho tapir esperaram em vão.

É véspera do dia 5 de junho de 2011, data dedicada ao Meio Ambiente. A noite recolhe-se no silêncio costumeiro da várzea do Paranazão, só despertado por algum outro veículo que volta a cruzar célere em direção a Paulicéia e vice-versa. Os vidros fechados, devido ao frio, não permitem aos motoristas ouvir o grito de socorro de uma natureza que mais uma vez clama contra a indiferença dos homens a sua volta... Até quando?

Fonte: http://institutocisalpina.vilabol.uol.com.br

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