(Poesia de Carlos Alberto dos Santos Dutra publicada no jornal Diário MS, Dourados, 24.Nov.2003; A Tribuna, Campo Grande, 23.Nov.2003, Jornal da Cidade, Brasilândia, 21.Mar.2003)
No dia 2 de setembro de 2002, o Juiz Federal José Denílson Branco, da 2ª Subseção Judiciária da 1ª Vara Criminal de Dourados extinguiu o processo 2001.60.02.001890-6, o chamado Caso Marçal, líder guarani assassinado numa emboscada na Aldeia Campestre, no município de Antônio João, no dia 25 de novembro de 1983. Hoje, passados 20 anos de sua morte, sob os benefícios escusos da lei, Justiça ainda não se fez e, nesses moldes, jamais se fará.
Adeus Marçal de guerra
Que lutava por terra
Eram tempos difíceis.
Adeus Marçal de sonhos
Guarani de fibra
Voz afiada em riste
A desafiar poderosos.
Adeus Marçal de Souza
Como tantos silva, pereira, santos
Anônimos e esquecidos.
Adeus Marçal do Papa
Da mídia
Do mutirão
Da enfermaria
Da Aldeia Campestre
Da tribuna e dos tribunais.
É, amigo Ñhandeva,
Segura firme neste microfone e grita.
Brada aos ventos
A injustiça que temos
E o que falta aos pequenos.
A terra que perdemos
O pão que não comemos.
É, amigo Kaiowá,
Teus irmãos ainda lutam.
Mestre Paulito e Dona Marta
Ainda ontem partiram,
Para o Guaxiré celeste
Ao teu encontro
Como outros que já se foram,
Antes do tempo e depois.
É, amigo Mbyá,
Irmão de longe,
Do Sul
Que também se soma
No colorido e na dor.
Ainda que as portas se fechem,
Ainda que juízes te arquivem
Nos porões do esquecimento.
Yvy Maraney
É blasfêmia aos ouvidos do latifúndio.
Incomoda-lhes saber que tua memória vive,
Que tuas idéias comovem.
Tua lembrança fere
E questiona a nossa Ordem
E desnuda a hipocrisia,
Cultivada dia-a-dia,
Nos discursos sem alarde.
Adeus Marçal desse mundo,
Nem julgamento decente te damos.
Adeus Marçal dessa terra,
Nem monumento a tua altura erguemos.
Adeus Marçal Guarani,
A espera é longa, mas não tarda.
Logo o ajuste de contas
Nos espreita na esquina senil da vida.
Donos do mundo e das coisas,
Nos apossamos.
Donos das pessoas e da vida,
As compramos,
Donos da Lei,
Da Moral
E da Justiça,
As decretamos
Para que os outros a cumpram.
Adeus Marçal de Souza Tupã-I.
Podem extinguir e arquivar tua história
Em processos de nanquim e celulose.
Só não podem calar a carne
E a verve da tua voz
Ainda viva que perambula
Pelas estradas, aldeias e periferias
Aquela que vem de longe,
Com o sabor das matas,
Dos campos que querem paz
E das aldeias que querem espaço.
Do Pirakuá Guarani
Ao São Lourenço Guató,
Do Boa Esperança Ofaié
A Aldeinha Terena,
Do Tarumã Kadiwéu
Ao Panambi Kaiowá.
E tantos tekohá
Com suas lutas memoráveis
E suas changas de sobrevivência
Que se somam
Encharcadas de sangue e esperança.
Adeus Marçal.
Reze por nós pa-í Kaiowá
Grande ñanderu Ñandeva
Que em breve estaremos juntos.
Teu sonho,
À semelhança de Sepé Tiarajú,
Há de permanecer
A estrela de maior brilho.
Não mais um sonho
De uma terra sem-mal,
Mas como realidade construída.
Não pelos homens,
Ditos doutos e letrados,
Mas pelas mãos dos patrícios
Parceiros.
Irmãos que manuseiam a terra
Desafiam mortes
E ousam cantar liberdades.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLindo poema, Carlito... Vc sabe, como ninguém, traduzir em palavras a dor do nosso povo... falando em dor... vc poderia colocar aqui tbém suas últimas palavras ao João, vai ser bom saber que toda a luta, todos os sonhos e ideais, não passaram em branco, não foram esquecidos... ainda hoje vivo por tudo aquilo que ele me ensinou e, tenho a plena certeza, que Deus está muito mais perto e é muito mais nosso do que insistem em nos fazer crer... maravilhosos textos... beijos e fica bem... ah... como diria João 'Força e coragem,sempre'.
ResponderExcluir